UM TEXTO DO OCTAVIO PAZ.
Instalação. Fita adesiva, papelão, parafusos, acetato, parafusos, madeira, papel alumínio, led, cabos eletricos, fontes chaveadas.
700cm X 20cm; 2018.
UMA DIALÉTICA NEGATIVA DA PINTURA
A possibilidade de uma representação abstrata/formalista na arte, atualmente, passa pela consideração não somente histórica, mas também cultural que o termo abstração assumiu ao longo dos últimos cem anos. Tempo transcorrido, no qual a definição de arte abstrata/formal fez-se categoria autônoma e tornou-se um ponto de referenciação a uma parcela importante da teoria da arte moderna. Estando o circuito referencial citado, em acordo com o que se convencionou ao longo deste tempo denominar-se por abstração, seja ela em arte – especificamente pintura e escultura –, em design, arquitetura e ou comunicação. A partir dessa apresentação de caráter historicista faz-se objeto central deste texto a definição de um modo de representação abstrata em meio às práticas contemporâneas da arte.
O sentido que o termo abstração assume a partir de sua colocação em circulação com a arte moderna (Mondrian, Malevitch, van Doesburg e outros tantos), assim como com as peças gráficas e publicações de imprensa e produção de bens de consumo, como os voltados para a moda, decoração e também para a arquitetura, encontram-se imbricados em uma ordem única de significação. Ordem que, sob a análise de um conjunto de elementos tomados à história da arte, assim como à história da cultura, quando analisadas a partir de um recorte ao alto modernismo das três primeiras décadas do século vinte, permite compreender os mecanismos pelos quais o que pode ser designado por estilo ou tendência de produção imagética abstrata ainda deve ser considerado um emissor de ecos em meio à produção atual de uma arte de fundamentação formalista.
Vale fazer aqui uma breve ressalva acerca da utilização do termo formalismo, para que o mesmo não seja tomado pelo sentido muitas das vezes depreciativo que lhe fora conferido ao longo da história. O que se diz aqui por um modo de representação formalista não pretende remeter a qualquer mecanismo de redução da imagem/objeto ao puro jogo de formas, assim como não propõe uma simples relação de resumo de um objeto tomado enquanto referente às suas propriedades colorísticas, ou a qualquer outra de suas qualidades passíveis de serem enquadradas na categoria dos componentes pictóricos.
O conceito de formalismo deve ser entendido como possibilidade de se realizar, através do reconhecimento da sintaxe formal, uma retomada dos dispositivos estruturais da então ordem lógica de produção de imagens, tidas, institucional e historicamente, tanto como método como teoria da representação do mundo de maneira abstrata, concreta, mas não antirrealista. Vale lembrar que Malevitch afirmava serem seus quadrados preto e vermelho sobre fundo branco mais realistas do que qualquer representação do real, por terem eles autonomia absoluta em relação a um modelo qualquer tomado ao mundo.
A origem conceitual da abstração modernista, enquanto lugar de produção discursiva, faz a ligação do produto criado pelo artista, pelo designer, ou pelo arquiteto, com uma pretendida ordem ontológica socialmente motivada da arte ou com a promoção/transformação de uma nova economia política, que seria dada pela modificação das então relações de produção vigentes. Estes novos paradigmas iriam tornar-se a reação àquela distância estabelecida ao longo do século dezenove entre artistas e técnicos ou entre a arte e a indústria. Para os teóricos da vanguarda artística modernista, o artista moderno, assim como o técnico da comunicação e o arquiteto, deveriam entender sua prática profissional como ação de superação das relações de produção envelhecidas e tidas por eles como destinadas a serem superadas, através da ação artística. Para estes, então agentes da primeira linha envolvidos nas transformações da sociedade, suas ações iriam dar-se através da realização de uma arte que retiraria da vida suas formas e que pelo fazer artístico/técnico devolveriam a essa mesma vida cotidiana um conjunto concreto de ícones a serem tomados como parte da ação de construção de um mundo racionalmente mais harmonioso.
Nas teorias modernistas, as formas da arte, da arquitetura, dos bens de consumo e do design, não se encontravam em momento algum afastadas de um conteúdo politicamente engajado. Um engajamento que visava à destruição do passado por meio de uma forma revolucionária. Pode se dizer que, como a base da transformação do universo visual da primeira metade do século vinte, a arte moderna, no sentido mais restritivo da palavra – por se tratar de referência feita somente à pintura e escultura –, nunca deixou de reconhecer sua função política e seu papel singular desempenhado na organização normativa do espaço social e na definição das relações espaciais hierarquizadas, compreendidas entre as diferentes instâncias de uma comunidade. Ações estas que os propositores das então artes de ação e ou de transformação da realidade relegavam à construção de modelos concretos, que deveriam ser imediatamente aplicáveis à ordem material do ambiente natural e urbano, ou como foi mais recorrente, pelo exercer de uma ação menos direta através da promoção de sistemas ideológicos de valores de representação.
Uma arte formalista nos moldes idealizados pelos teóricos do modernismo europeu deveria, portanto, ser a construção de um código expressivo-visual por meio de uma relação dialética, ou melhor, de uma dialética positiva, em que toda a codificação promovida pelas teorias mais avançadas da arte de vanguarda seriam propostas como paradigma à transformação das relações de produção assim como às relações sociais no mundo moderno. Transformações essas disparadas pela nova configuração do código visual que seria indispensável à mudança das relações perceptivas do espaço por uma sociedade moderna renovada.
Se para a formação de um conjunto iconográfico para a arte, assim como para o design, e arquitetura o modo de operação de codificação deveria se dar especificamente pelo que se chamou a pouco por relação dialética positiva, a retomada de uma prática artística contemporânea que venha a se valer de uma também nova iconografia de signos abstratos, só poderia se realizar, diferentemente da prática modernista, através do que se pode definir por uma dialética negativa com o referente.
Dialética positiva moderna
As teorias modernistas da arte formal, conforme descrito anteriormente, guiaram-se pela relação entre um referente – um objeto modelo – e o estabelecimento de um novo sistema de codificação de signos, que eram assimilados recorrentemente em novos jogos de representação. Este então referente tomado ao mundo, e tornado paradigma na construção de um novo conjunto de elementos destinados à formação de uma também novíssima sintaxe visual, se fazia presente até o ponto em que estes novos jogos de formas deveriam ser postos novamente em circulação no mundo, para que assim, segundo a lógica utópica modernista, passassem a interagir com os símbolos de uma então considerada cultura geral.
Pode se dizer que o problema das relações entre a arte e a técnica se transformou, no alto modernismo, no problema prático da inserção da arte na sociedade técnica enquanto modo de trabalho social. A arte pretendia intervir outra vez na produção de formas de um modo geral, numa relação positiva com a produção industrial. Pretendia cooperar, segundo sua função específica de ordenadora do imaginário coletivo, na transformação das relações sociais. O que se define por dialética positiva do modernismo seria, portanto, uma operação de aglutinação do objeto referente a um código artístico específico, pretensamente universalista, e uma posterior retransmissão do ícone codificado, que teria em si a função de ocupar o lugar do referente anterior transformado e perdido.
Dialética negativa contemporânea
Uma também teoria da arte formalista contemporânea não poderia alhear-se à referenciação sobre modelos do mundo atual por encontrar-se ela mesma numa linha referencial estritamente conectada à história do formalismo artístico moderno.
O paradigma da relação entre o referente e a forma final resultante, através da operação de abstração, se faria perceptível devido à ressalva de que uma mesma arte tida como formalista, diferentemente do modelo moderno precedente, deveria levar em consideração a brutal transformação pela qual a construção de códigos formais de comunicação visual e formação espacial, a partir da segunda metade do século vinte, efetuara no conceito de abstração formal.
Pode se dizer que a relação dialética negativa responsável por gerar a ordem abstrato/concreta na arte contemporânea é aquela da produção de um movimento que traz, das imagens massificadas do design, assim com das formas instituídas da arquitetura urbana, da indústria de bens de consumo e da moda, elementos anteriormente codificados pela arte moderna e tornados, há muito tempo, conteúdos comuns na construção da lógica comunicacional destes mesmos campos de produção.
Neste movimento dialético em que o ícone tornado imagem/objeto é já resultado da codificação racional pela qual a história da arte formalista moderna passou neste último século, uma nova operação de codificação não geraria qualquer outro resultado que não uma reorganização dos elementos que são referenciais de uma sintaxe visual instituída. Essa representação concreta através de elementos puramente formais torna-se, na arte contemporânea, uma simples operação de indicação da disponibilidade, no mundo, dos elementos icônicos gerados há muito tempo pela arte. O movimento dialético negativo gerador das estratégias de representação contemporâneas não se faz por meio da criação, mas da demonstração de formas na arte.
"Se não há mais necessidade de criação de novas formas ou códigos visuais a serem transformados em material para a representação do mundo através da arte, a ideia de uma dialética com sentido inverso daquele manifestado pela dialética positiva moderna é algo que se efetua entre os regimes icônicos nos quais os referentes já codificados dos meios de comunicação, assim como os da indústria do consumo, são formas já muito instituídas e assimiladas. É possível dizer que a relação da arte com modelos tomados ao mundo não pode ser diversa de uma operação em que a imagem da arte torna-se uma imagem de potência reduzida em relação ao objeto (imagem) tido por seu referencial."
Assim, a arte abstrata tornada uma arte de formas concretas, em meio às suas práticas contemporâneas, torna-se nada mais do que um método de organização daquilo que pode ser designado por um conjunto de marcadores, ou indicadores, da atual condição de institucionalização iconográfica dos elementos comunicacionais abstratos. Todos aqueles códigos, formados a partir de cores e formas em uma multiplicidade de dimensões, servem para formar a ordem primeira da transmissão de mensagens pelos meios de comunicação e de produção espacial contemporâneos.
As imagens da arte, na sua vertente formalista atual, seriam imagens fracas em relação a alta potência de transmissão ideológica que as formas gráficas funcionais da indústria da informação e comunicação, baseadas no design, no jornalismo e na publicidade, encontram atualmente.
Esta perspectiva – da arte como indicadora – aplicada aos modos de representação artística formal, fazem de suas práticas contemporâneas ligadas ao formalismo um espaço para a crítica ao que se pode chamar de modelos de formatação ideológico-espacial do mundo atual.
Texto publicado no catálogo da exposição Jornal da imagem, realizada na Galeria do Centro Cultural CEMIG.
G.Costa, 2012.